Brent chega a casa, como todos os dias chega a casa, depois de todos os outros dias a chegar a casa, sensivelmente à mesma hora. Abre a porta, é recebido entusiasticamente pelo cheiro que deixou antes de sair e dirige-se tranquilamente para o sofá que o aguarda impaciente. Desembrulha o suculento jantar que compra sempre ao virar da esquina, a mesma que dobra obstinadamente em direcção ao meio de transporte que o carrega dali para fora. Verifica o telefone fixo; não tem mensagens novas. Senta-se em frente a um ecrã vazio, liga a tela estática, acompanhando a sua refeição. Brent suspira de alívio por mais uma vez ter encontrado tudo no seu lugar; os telejornais, as novelas, as séries e as vendas. Pensa em sair de casa e dobrar a esquina contrária à habitual, aquela que o leva em direcção aos amigos que falam pelos cotovelos mas ainda assim nada articulam de novo. Brent senta-se no mesmo lugar, na mesma tasca, pede o habitual e bate o maço de tabaco enquanto bebe o café curto. Sai-lhe da boca a mesma pergunta e obtém a mesma resposta. Sempre. Mas a cordialidade de Brent é inesgotável, lá vai ele sorrindo pepsodentemente das piadas badalhocas que saiem da boca do membro engraçadinho do seu grupo. Brent olha para as horas de vinte em vinte minutos, à espera do momento oportuno para dizer que o dia já vai longo e que não descansou o suficiente durante o sono. O mote está dado inadvertidamente, agora a conversa emigra para um desfilar de maleitas e de queixas sobre o quotidiano. Foram-se as piadas fáceis, quebrou-se o gelo que agora derrete, já alguns embriagados sugerem outros sítios para continuar a falar sobre rigorosamente nada. Brent não quer ser indelicado, aceita levemente a sugestão e junta-se a eles. Saiem com os casacos ainda na mão. Não faz frio, estão uns agradáveis 20 graus e é Primavera.
Brent sugere um sítio calmo, com vista para a cidade e as suas colinas. Os mais influentes sugerem um bar onde possam passar revista às mulheres e homens que ali se encontrarem com eles. Brent sente-se derrotado, mas nada diz. Limita-se a concordar e a acompanhar. Sente que é mais um daquele grupo. Leva uma pancadinha condescendente nas costas e entra num dos carros. Brent e os amigos descem as escadas que conduzem ao sítio habitual depois do sítio habitual. Nele se encontram as mesmas pessoas, visto que é o mesmo dia da semana. Dirige-se ao bar e pede o que sempre pede. Cumprimenta o rapaz novo que se encontra encostado ao balcão, dá-lhe uma leve pancadinha nas costas. Olha à volta, vê pessoas novas, outras menos novas, umas feias, outras bonitas, umas que sobressaiem por não terem nenhum caractér distintivo. Fica a ouvir as conversas cruzadas dos seus amigos, finge que presta atenção. Brent é um bom fingidor, nunca se percebe que a mente dele nunca está no mesmo local que o corpo.
Mais uma bebida para o grupo, mais um brinde a clichés que por serem pouco usados parecem mais profundos. Mais um sorriso lúteo. Já têm lugar para se sentar. Escolhem a mesma mesa, ao canto, onde todos podem estar nos seus lugares habituais. As horas vão passando, os bocejos vão aparecendo e a mente de Brent já veste o pijama. Em breve alguém irá sugerir o final da noite e todos irão concordar. E Brent irá ligar o despertador para poder dobrar a mesma esquina à mesma hora de sempre.
Texto: Paulo Dias
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