sábado, março 09, 2013

Corpos

Sabes que falo sempre de rodas dentadas, mas não desta vez.
Agora são corpos de mel biológico,
porque outros seriam hexagonais e difíceis de imaginar.
Apenas um nome diferente para um suor aflito, gravítico.
O mel, o suor das abelhas e do vento.
A vida dos pomares.
A Maçã de Adão, a Maçã de Newton, a Maçã de Arquimedes.
Já reparaste que o fruto mais neutro tem adoradores devotos?
O fruto mais comum auxilia as maiores conquistas.
Mas mesmo assim gosto apenas do mais ácido deles.
E não a como.
Vou de Mãos dadas com as agulhas no palheiro das coisas,
e também com os ponteiros biológicos nas veias da crosta terrestre.
Ergo-me.
Palavra feia.
Ergo-te.
Rapidamente chega o dia novo abraçado à noite anterior,
a dormir em concha com o que já foi.
Escuto o virar da página, encostado ao teu monte de Vénus.
Engulo a tua deliciosa febre, derradeira imagem,
lembrança de um nó górdio que, sonhando múltiplas noites anteriores
acorda de um sobressalto ofegando em mim.
Ainda assim corres comigo.
A maratona da falsidade.
Os cem metros do desejo anónimo.
Os oitocentos metros da demora em permitir àgua potável.
Recorto o teu umbigo em molde picotado. Lembras-te, dessas carteiras da infância
onde nos sentámos a rir tantas vezes.
Tudo parecia demorar.
As coisas eram feitas de carvalho e lá podia rasgar o teu nome.
Em carne de orvalho.
As melhores paredes carnívoras.
Fazias-me beber a espuma dos dias.
Agradeço o gesto cortesia.
Agora já posso desaguar no esgoto da realidade.



Texto: Paulo Dias





As ruas

Uma das primeiras impressões que retirei da rua foi, sem surpresas, uma percepção rápida. Não poderia ser de outra maneira. O movimento ondular é semelhante ao oceano turbilhão. Faz com que tudo seja feito à pressa e cola o andar à sobrevivência. Essas primeiras impressões não têm uma segunda oportunidade para nos esclarecer. Repara-se no sofrimento que é ser e pertencer aos outros. Na rua estamos vulneráveis aos variados atropelos que vão surgindo desatentos. Um carro, vários tratores obesos com as mãos ocupadas e a cabeça noutro lado qualquer. Sujeitamo-nos, recebemos os nãos mais duradouros e com isso pretendemos erguer a estrutura que nos permite viver nas ruas e vielas do sentir social. Reparei, com o passar das esquinas e blocos de apartamentos, que a melhor definição de realidade estende-se pelas colinas e quarteirões do desassossego. Os corações amontoados derretem-se uns aos outros e acumulam pavimento. Borbulham no Inverno da vontade e ainda assim são moldáveis. Criei tantas barreiras nos diversos regressos a casa que fui ficando por ali, na janela que dá vista alargada para as ruas mais próximas de mim. Fiz chorar as pedras da calçada com o constante adeus presente nas órbitas e doeu. Doeu tanto que nunca mais quis calçar botas ortopédicas.




Texto: Paulo Dias