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Ao longo dos anos a relação de Molly com Deus foi-se alterando. Começou por não ter coragem de rezar à noite, achando que ia levar um grande raspanete por estar a dar guarida a todas aquelas imagens profanas. Já nem com Jesus Cristo falava, com medo que este fosse fazer queixinhas ao Pai. Afastou-se gradualmente, cada vez mais, mas sempre com a sensação de estar a trair algo mais forte do que ela. Até que um dia estava à porta de uma exposição de um artista novato, de seu nome Paulo Dias, que estava a chocar a pacata vila e que o Padre numa das eucaristias tinha desaconselhado vivamente. Por estes dias Molly já não dava tanta atenção ao que o Padre dizia e resolveu ir espreitar. Entrou devagarinho, não fosse ela ser reconhecida por uma beata vigilante, daquelas que parecem jornais de notícias, e deslizou prudentemente para uma das salas contiguas à entrada. Estava mal iluminada, por isso esgueirou-se para dentro. Os seus olhos incharam as órbitas e reconheceu imediatamente a peça que estava encostada à parede: era o falo que a perseguia nos seus abundantes sonhos pecadores. Os seus sonhos eram premonitórios e afinal era uma visionária! Molly foi-se refugiar num lar de freiras, de livre vontade, a fim de restabelecer o contacto com Deus, Jesus Cristo e afins, o seu destino. Tinha muito para rezar, afinal os anos tinham passado e havia muitos avés para recitar. É uma beata pacata Molly, virgem, solidária, ajuda o Padre sempre que pode, o coitado já está velhinho, apanhou Alzheimer e esquece-se com frequência que Deus afinal existe.
Imagem: Contemplação Fálica ou a Inveja do Pénis (Paulo Dias, 2006)
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