sexta-feira, outubro 31, 2008

A fé é a capacidade de por o Tao em movimento, de saber que existe um big bang pessoal à espera de acontecer.

segunda-feira, outubro 27, 2008

Seres

Lantejoulas e lentilhas perdem o sentido quando afastadas do grupo onde se inserem naturalmente, as suas irmãs que em quase nada diferem delas. Formigas e térmitas ganham um novo sentido enquanto contemplamos as suas criações que arranham os céus rentes ao solo. O feijão é responsável por um reino onde habita um gigante indolente, lançando um pé por onde qualquer um de nós pode trepar. É mágico, sonha e tem esse potencial todo dentro de um indivíduo feijão. Os seres humanos perdem-se na multidão a que chamamos de rebanho e ganham sentido quando exaltados ao abrigo de um conjunto de pessoas habitantes da mesma região, com os mesmos formatos. O que quer isto dizer? que não faz sentido dizer lantejoula, porque ela deixa de o ser se estiver sozinha. Passa automaticamente a ser um berloque ou outra coisa qualquer. Não faz sentido dizer lentilha, porque ela perde todo o seu valor estético e nutritivo, passando a ser um lentilha orfã. Que faz sentido dizer formiga, porque muitas vezes avistamo-las a vaguear sozinhas, mas sempre com a sensação que o grupo estará mais perto ou mais longe, definitivamente presente. Que não faz sentido dizer homem, porque homem é, ao mesmo tempo, sinónimo de solidão e imersão num grupo mais vasto. Ainda procuramos a melhor forma de nos caracterizar. Ou lantejoulas ou formigas ou ambas ou nenhuma. Talvez feijão dentro de um saco de feijões mágicos.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Maior do que a vida

Todas as biografias de pessoas "maiores que a vida" e carismáticas o suficiente para levarem com elas todas as outras fazem-me sentir que carrego alguma omnipotência em vão. Porque para ser maior do que a vida é preciso olhá-la nos olhos e dizer directamente que ela não nos mete medo.
É preciso atropelá-la para que ela nos doa e para que possamos ser mártires da nossa própria luta autofágica. Tudo para que no final ela esteja ali, sentada ao nosso lado, exausta por ter fracassado em derrotar-nos.

segunda-feira, outubro 20, 2008

Pensar

E hoje recuperei a vontade de ler de forma despreocupada e sorridente Vergilio. Sim, Ferreira como a pausa que se adivinha num cálice de Porto com o mesmo nome solene. Num acesso de pensar, folheei algumas páginas e eis que me deparo com uma frase de caractér seminal:

" Não defendo a tristeza. Não defendo a alegria. São ambas o acne juvenil, mesmo quando se é adulto. Há um lugar que fica à mesma distância uma da outra. Mas muito mais acima ou muito mais abaixo. Não sei como se chama. Ou já o esqueci."


Excerto de "Pensar" de Vergílio Ferreira

segunda-feira, outubro 13, 2008

Um Semáforo em ruínas

" (...) Adivinho-te o nome; ficas a meio caminho do alfabeto, virando à esquerda…
Procuras semáforos em ruínas, catatónicos… deles não se tem a certeza de respirar à tua passagem; firme, mas silenciosamente, exiges minutos escancarados de espanto… assumes uma inquieta forma de posar; um pé distante do outro, um corpo distinto dos demais, uma aparência bem ensaiada, um disforme sentido de humor…
Sempre que pousas em mim, a máquina reveste-se de formigas soldado…suavizas a engrenagem, susbstituis peças danificadas por outras gerontes, talvez de meia idade… o seu peso encolhe a minha sanidade; a tua emerge de um banho reparador em àguas cálidas… o ruído amplifica a tua presença, faz campanha nas bocas que te elegem abertas…
Todas as vezes que pouso em ti, tu já não estás… perdes-te no meio da névoa embevecida de sonhos fugitivos, na cortina transparente de corpos derrotados, cabisbaixos, que nem sequer ousam perturbar o teu momento triunfante, enquanto palestras sobre prevenção rodoviária decorrem num qualquer canto burocrático, ignorante da tua existência…"


Texto: Excerto de "Semáforos e Ruínas" de Paulo Dias